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Às vésperas do dia da Consciência Negra, vereador pretende conceder título a “herdeiro” da Monarquia brasileira

A indicação do vereador Ítalo Meira para conceder uma honraria oficial ao príncipe imperial do Brasil reacendeu um debate que o país insiste em empurrar para debaixo do tapete: que símbolos queremos celebrar publicamente e que passado estamos dispostos a esquecer para isso?


É preciso dizer com clareza: a Monarquia brasileira não é uma figura neutra da nossa história. É uma instituição que se sustentou, cresceu e se fortaleceu às custas de um dos regimes de escravidão mais longos, violentos e lucrativos do mundo ocidental. Durante todo o Império, milhões de homens, mulheres e crianças negras foram escravizados, castigados, comprados, vendidos e tratados como mercadoria, enquanto a elite política e agrária acumulava riqueza e poder. A Monarquia foi o pilar legal e moral dessa engrenagem. Não há como separar uma coisa da outra.


Em entrevista a Carta Capital, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, o príncipe imperial do Brasil disse acreditar que o caos vivido pelo país só tem uma solução: a volta de sua família ao poder
Em entrevista a Carta Capital, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, o príncipe imperial do Brasil disse acreditar que o caos vivido pelo país só tem uma solução: a volta de sua família ao poder

Quando um representante da atual família imperial recebe honrarias públicas, não estamos apenas entregando um diploma simbólico; estamos produzindo uma narrativa sobre o que merece ser celebrado na história brasileira. Ao homenagear um herdeiro da família imperial, o vereador, corre o risco de enviar uma mensagem desconfortável: a de que a memória dos oprimidos pode ser relativizada em nome de formalidades protocolares ou culturais.

Para muitos cidadãos, especialmente para a comunidade negra, isso não é apenas uma contradição, é um retrocesso simbólico. É ignorar que, enquanto a Monarquia prosperava, negros eram chicoteados, torturados e privados de qualquer direito civil ou humano. E que essa história não terminou em 1888: suas consequências moldam até hoje a desigualdade racial, a pobreza, a marginalização e as oportunidades que nunca chegaram.


Há também um ponto essencial: Caieiras possui movimentos culturais negros fortes, resistência comunitária, projetos sociais, coletivos urbanos e histórias familiares marcadas por luta. A escolha de homenagear uma entidade cuja trajetória está ligada à manutenção da escravidão desperta justamente a sensação de que essas vozes e vivências não foram consideradas.

É possível honrar figuras da cultura, da religião, das periferias, da educação, da saúde,  como, aliás, a própria Câmara anunciou que fará com outras lideranças. Mas homenagear a Monarquia brasileira, em pleno século XXI, exige um cuidado que não pode ser reduzido a protocolo, cortesia ou formalidade. Ninguém exige que o vereador Ítalo compartilhe ideologia monarquista; a questão é outra: qual narrativa histórica um representante eleito deve reforçar quando se levanta da sua cadeira e assina uma honraria em nome da cidade?


Quando celebramos instituições que sustentaram a escravidão, escolhemos qual lado da história desejamos repetir. Quando esquecemos o sofrimento de milhões, damos aval para que ele continue ecoando
Quando celebramos instituições que sustentaram a escravidão, escolhemos qual lado da história desejamos repetir. Quando esquecemos o sofrimento de milhões, damos aval para que ele continue ecoando

A Monarquia brasileira é um capítulo da nossa história que não pode ser apagado, mas também não pode ser romantizado muito menos homenageado sem reflexão. Quando celebramos instituições que sustentaram a escravidão, escolhemos qual lado da história desejamos repetir. Quando esquecemos o sofrimento de milhões, damos aval para que ele continue ecoando. E quando figuras negras em posição de poder legitimam esses símbolos, reforçam ainda que sem intenção o apagamento da própria luta de seus ancestrais.


Honrarias públicas não são apenas cerimônias. São escolhas de memória. São declarações sobre quem valorizamos, o que acreditamos e que país queremos construir. Caieiras tem uma oportunidade histórica de refletir sobre isso antes que o diploma do príncipe imperial seja assinado, enquadrado e pendurado na parede, não como lembrança de um passado distante, mas como sinal de que, às vezes, insistimos em caminhar olhando para trás.


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