Xuxa fez pior que Hytalo Santos, mas você não está preparado para esse debate
- primeiraimpressaor
- 12 de ago.
- 4 min de leitura
Felca trouxe à tona um assunto que já estava enraizado há décadas. O que mudou foi a plataforma, não a prática. E talvez esteja na hora de olharmos para trás e reconhecermos que o que hoje chamamos de “adultização” já esteve nos palcos, nas câmeras e nas manhãs da TV brasileira, com figurinos brilhantes e músicas chiclete.
Por Redação JPI

Nos últimos dias, o vídeo de quase 50 minutos do youtuber Felca virou pauta nacional. A gravação, que já soma milhões de visualizações, escancarou casos de adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais, com destaque para o influenciador Hytalo Santos e seu “reality” recheado de festas, danças sensuais, roupas insinuantes e até incentivo a procedimentos estéticos em menores de idade.
O impacto foi tão grande que mobilizou o Ministério Público, parlamentares e artistas, que se uniram para discutir o tema. Felca fez o que a TV brasileira nunca teve coragem: apontar o dedo e dizer que existe uma indústria lucrativa em transformar crianças em adultos precoces.
O que talvez muitos não saibam, ou prefiram não lembrar é que essa prática não nasceu no TikTok. A diferença é que, hoje, ela não está mais restrita às manhãs de segunda a sexta na televisão, mas sim 24 horas por dia na palma da mão.
Mas afinal, o que é adultização?
O termo se refere ao processo de expor crianças e adolescentes a padrões, comportamentos, vestimentas e responsabilidades típicos do mundo adulto, muitas vezes ligados à sexualidade ou ao consumo. Isso pode ocorrer de forma sutil, com roupas e coreografias “estilizadas”, ou de maneira explícita, como a erotização de personagens infantis, pressão estética e estímulo à vaidade extrema.

As consequências são graves: desde distorção da autoimagem e baixa autoestima até ansiedade, depressão e dificuldades em estabelecer relações saudáveis. Em muitos casos, a adultização é incentivada por quem deveria proteger, pais, responsáveis, produtores e empresas de mídia.
Felca critica duramente o estilo de produção de conteúdo de Hytalo, classificando-o como um “circo macabro”. Ele expôs que o influenciador promove eventos com clima adulto, incluindo bebida alcoólica, danças sensuais e postagens sugestivas e apresenta adolescentes, como Kamylinha, que esteve exposta desde os 12 anos, consolidadas hoje como peça de engajamento e lucro. As repercussões foram rápidas: as contas de Hytalo no Instagram e TikTok foram desativadas após as denúncias, e Kamylinha teve sua rede social removida por decisão judicial.
Antes do TikTok, havia o Xou da Xuxa
Nos anos 1980 e 1990, o Brasil viveu um fenômeno cultural chamado Xuxa Meneghel. Apresentadora, cantora e atriz, ela se tornou “Rainha dos Baixinhos” com programas que marcaram as manhãs das crianças, mas que, olhando em retrospecto, continham uma série de elementos que hoje seriam alvo de críticas pesadas e, provavelmente, de processos.

1. O filme “Amor Estranho Amor” (1982)
No longa, Xuxa interpreta uma prostituta que seduz um garoto de apenas 12 anos em uma cena com conotação sexual. Embora a atriz tenha tentado impedir a exibição do filme anos depois, a obra seguiu circulando e se tornou exemplo clássico de erotização de menores no cinema brasileiro.

2. O romance com Pelé
Quando começou a namorar o jogador, Xuxa tinha 17 anos e Pelé já era um homem de 40. A relação foi amplamente divulgada pela mídia como um conto de fadas, mas hoje seria inevitavelmente questionada por causa da diferença de idade e da vulnerabilidade de alguém ainda em fase de adolescência.
3. Figurinos e coreografias
Mesmo nos programas infantis, Xuxa usava roupas curtas, botas acima do joelho e poses insinuantes. As paquitas — adolescentes em início de carreira — seguiam o mesmo padrão. Muitas coreografias e letras de músicas carregavam duplo sentido, algo que passava despercebido ou era normalizado pela sociedade da época.

4. Merchandising e consumo infantil
Os programas incentivavam fortemente o consumo de produtos licenciados, de brinquedos a roupas, criando desde cedo uma mentalidade de que “fã de verdade” precisava consumir para pertencer ao universo Xuxa.
Por que não falamos disso?
A resposta pode estar no carisma e no status de ícone que Xuxa construiu. Para muitos brasileiros, ela foi sinônimo de infância feliz, músicas alegres e mensagens de autoestima. Mas o fato de termos boas memórias não apaga a realidade: a televisão brasileira também lucrou muito com a adultização de menores, e a Xuxa foi peça central nesse processo.
A diferença entre ontem e hoje é que, na era da internet, tudo é mais rápido, mais visível e mais compartilhável. O que antes ficava restrito a um estúdio de TV agora acontece em tempo real nas redes sociais, com consequências ainda mais amplas.
O debate que precisamos ter
O caso Hytalo Santos é grave e precisa ser investigado, mas não podemos cair na armadilha de achar que estamos diante de algo inédito. A história da nossa cultura pop e a forma como lidamos com entretenimento infantil, mostra que o problema é estrutural.
Felca trouxe à tona um assunto que já estava enraizado há décadas. O que mudou foi a plataforma, não a prática. E talvez esteja na hora de olharmos para trás e reconhecermos que o que hoje chamamos de “adultização” já esteve nos palcos, nas câmeras e nas manhãs da TV brasileira, com figurinos brilhantes e músicas chiclete.








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